Que tal aprender a "botar no seu cofrinho", hein?
Semana passada quase rachei de rir com o relato de uma amiga da faculdade sobre um episódio épico de sua infância. Ela contou que havia pedido para o pai um carrão rosa da Barbie, naquela época em que ainda não existiam as salvadoras lojas de 1,99 e a ausência da indústria de falsificação barata não nos permitia enganar os filhos com mochilas da “Riboqui” ou tênis da “Naique”. Diante de tão singelo pedido, o pobre e desinformado pai caiu na besteira de dizer que daria o presente, sem ao menos consultar o preço. Afinal, que mal poderia existir por trás de um inocente carrinho de uma boneca loira, magra e sorridente? E ainda por cima rosa? É, ele caiu nessa.
No dia da entrega do mimo, a ansiosa filha recebeu o pacotão. Mas ao abri-lo adivinha só o que havia dentro? Um carrão de lata da Primor. Os mais jovens ou aqueles que nunca na vida tiveram a oportunidade de conhecer o lado descolado do artesanato nem devem sonhar com o que estou falando. Mas aqui no Nordeste, há uns 20 ou 30 anos, era comum a venda de brinquedos fabricados manualmente por hábeis artesãos que criavam veículos com aqueles latões enormes de 5Kg de margarina. E não era barato, não! Meu sonho, por exemplo, era ter o mobiliário completo feito com colagem de caixinhas de fósforo, vendidos de casa em casa. Tive que me conformar com um gaveteiro de 3 caixinhas de Fiat Lux todo manchado de cola que eu mesma fiz. Mas a loira abusada não viu por esse lado, não, senhor! Obcecada por seu carrão da Barbie ela foi incapaz de enxergar a mina de ouro que tinha nas mãos e fulminou seu pai com aquele típico olhar de desprezo de uma criança frustrada que ainda não aprendeu o sentido da palavra “falsidade”, coisa que no futuro, quando receberia um sabonete Alma de Flores durante o amigo secreto da empresa depois de ter dado uma camiseta super cara, ela aprenderia a utilizar (Ai, adorei amiga, vou botar no fundo da gaveta para deixar as cuecas do meu marido cheirosas).
Como meu professor de Sociologia ensinou que futuros jornalistas devem aprender a questionar os próprios conceitos de verdade e se colocar no lugar dos outros para compreendê-los, refleti e percebi que esse trauma infantil talvez seja a raiz da maluquice da minha querida amiga loira natural. Está tudo explicado! Aliás, a criatura é tão cruel que até hoje atormenta o pai com essa história, levando o pobre velhinho às lágrimas.
Mas esse momento tocante fez-me refletir sobre a origem do MEU comportamento consumista. Quando era criança desejei muitas coisas que a combinação de vendedor autônomo + costureira dos meus pais não permitiram realizar. Como sempre tive uma postura muito de agir, de ir atrás desde cedo, ainda criança procurei trabalhar pra comprar parte dessas coisas. Fazia bicos de professora de reforço (dei muito beliscão em menino danado), vendedora, carregadora de sacolas e até menina de recados (tá explicada a razão de eu gostar tanto de fuxico).
Essa vivência me rendeu uma postura trabalhadora e independente, disposta a encarar qualquer desafio ou aprender uma nova função, desde que pudesse descolar uns trocados. E foi uma experiência bacana que, conforme comentei no post anterior, conferiu um histórico profissional bem diversificado.
Porém, ao passo que aprendi a sempre arrumar um meio para sobreviver, nunca aprendi algo que hoje percebo ser tão importante quanto ter dinheiro pra se manter: POUPAR! Nas gerações anteriores essa prática era comum. Seja dentro do colchão, seja numa caderneta azul da Caixa, quase todo mundo costumava guardar uns tostões. Hoje, com essa Era consumista onde ter dinheiro sobrando significa correr pro Shopping e torrar tudo numa liquidação, esse costume ficou meio fora de moda. Já cheguei inclusive a ver poupadores sendo chamados de miseráveis. OK! Quem chamou fui eu, mas foi a maneira que encontrei pra justificar minha incompetência diante dessas questões. Quem desdenha quer comprar, é o que sempre digo!
O que ocorre é que passei grandes apuros por causa disso. Ainda mais porque já compartilhei com vocês meu passado profissional kamikase. Então, sair de um emprego lisa por causa de uma discussão boba foi um filme dramático revisto algumas vezes. E mais comum era o fato de sair lisa e também com dívidas, pois eu sempre precisava de um sapatinho fofo, um vestido escândalo, um sofá novo.
O diabo é que mesmo assim demorei a aprender. E precisei quebrar a cara pra valer pra decidir: vou aprender a poupar! É uma tarefa meio complicada. Comprar é MUITO BOM! E a verdade é que a sociedade considera charmoso uma mulher consumista. E a mídia está aí, para nos bombardear com coisas que não precisamos e que nos farão extremamente infelizes se não possuírmos. Uma influência perniciosa que atinge principalmente as crianças que ainda não tem a maturidade para analisar as entrelinhas da mensagem. E os pais, perdidos entre o sentimento que tem pelo filho e o medo das consequências de uma negativa, veem-se praticamente coagidos a realizar todas as suas vontades. Vejo famílias inteiras praticamente governadas por pequenos tiranos, que com gritos de “eu quero” dobram o pescoço dos adultos, numa inversão absurda de referências. E segue-se o ciclo de propagação do consumismo, da satisfação imediatista que turva uma visão previdente da vida. O que vale é o hoje, o PRESENTE (em todas as suas concepções), a juventude, a saúde... Ninguém vai envelhecer, desempregar-se ou passar por atribulações. No mundo de conto de fadas do consumista isso não existe.
Sei que há uma explicação para o meu comportamento, mas não uma justificativa para ainda na fase adulta continuar agindo assim. E compartilhar essa constatação com os leitores é um estímulo, quase um pacto, pois quero e VOU agir diferente. Quem sabe começando a dar o devido valor ao que tenho, tanto no sentido material quanto no campo afetivo. Afinal, a insatisfação pode ser um poderoso combustível para as mudanças e melhorias, mas em excesso vira um veneno que corrói a alma e nos torna infelizes sem motivo e as tentadoras liquidações podem realmente liquidar: tanto nosso bolso, quanto nossa paz!
Beijos!