Eu adoraria fazer alguns machões "se sentirem mulher" de vez quando... |
Bom-di-aaaaaaaa!!!!!!
Queridos amigos, pela milésima vez, desculpem minha ausência. Sei muito bem que blog que não é atualizado tende a entrar na lista dos sites engolidos pelo buraco negro da Internet desconhecida. A mesma região para onde foram parar os e-mails do BOL, que um dia foram tão populares. Afinal, não há nada que suba tanto que mais cedo ou mais tarde não venha cair de cara no chão.
No entanto, convém esclarecer que o meu blog não é pastelaria. Tipo, você chega no balcão e grita: “Ô, Feminista de Arake, me vê aí, rapidinho, um post quentinho pra viagem e no capricho. Bora agilizar, aê. To com pressa!”. Dá não! Não sei trabalhar sobre pressão. E sinceramente, não me agrada a idéia de transformar este espaço numa página que se limite a reproduzir materiais dos outros, só para garantir frequencia de atualização. Tipo a Sônia Abrão, que passa o programa inteiro lendo reportagens e fofocas publicadas em revistas de R$ 1,49. Confesso, sou orgulhosa. Prefiro escrever uma porcaria (ruim, mas MINHA) do que transcrever a Teoria da Relatividade e posar de “gênia” à custa dos outros. De araque nessa história já basta o meu feminismo.
Maaaaaasss, finalmente me veio a tão sonhada inspiração. E ela chegou pela madrugada, durante minhas vigílias torturantes, pensando sobre o que fazer da vida. Não sei de onde me surgiu esse tema, mas pensei nessa história de “se sentir mulher”.
Geralmente, esse tal “sentir-se mulher” é retratado de uma forma idílica e sonhadora. E em 99,99% dos casos, tem conotação romântica e lasciva. A cunhã, em seus momentos de nostalgia, recorda um (ou vários) episódio (s) em que um moreno alto, bonito e sensual a levou ao paraíso. E ela, agradecida, brinda o ego do machão com a frase clichê: “Você me faz sentir mulher!”. Acho que momentos assim só devem ocorrer com a mesma freqüência nos consultórios de cirurgia de mudança de sexo espalhados pelo mundo.
Bom, não vou discutir a validade dessa constatação. A cada dia a vida me ensina que “é cada qual com seu cada qual”. Não convém questionar. Porém, nada me impede de relatar a minha epopéia em descobrir-se mulher. E nada de se animar achando que vou escrever um conto erótico ou coisa parecida. A minha visão sobre o assunto é bem menos empolgante e nem um pouco apimentada. Está mais para o tempero amargo da realidade. Trágico!
A primeira vez que recordo ter “me sentido mulher” foi por volta dos 6 ou 7 anos de idade. Eu sou de uma geração desprovida de tecnologia, cujas brincadeiras eram do tipo pega-pega, esconde-esconde, garrafão, em suas acepções mais ingênuas e infantis. Mesma época em que “controle de natalidade” era uma prática nada popular. Resultado: uma penca de meninos na rua, nenhum Play Station nas casas e muita disposição pra brincar.
Certo dia, os garotos da rua organizaram um joguinho de futebol em frente a minha casa. Eu normalmente era quieta. Gostava de ler e conversar com adultos, hábito que me conferia uma atmosfera precoce. Mas nesse dia, me senti atraída pela correria, pelas risadas, pela competição, por aquela confusão de gente atrás de uma bola, sem qualquer regra chata de impedimento, falta ou coisa parecida. Então, como um bebê atraído pela chama, sem ter qualquer noção do mal que havia nisso, eu “entrei em campo” e saí chutando a bola pra qualquer lado, sem saber nem à qual time pertencia (se é que havia times definidos). Acho que foi um dos momentos mais alegres da minha vida. Eu ria sem parar. Para mim, não existiam meninos e uma menina. Só enxergava uma brincadeira muito divertida. E os brutinhos não me pouparam de jeito nenhum. Levei tanta canelada que ainda hoje carrego cicatrizes. Mas a maior cicatriz ainda estava por vir...
A farra não durou 15 minutos. Era noite e meu pai estava prestes a chegar do trabalho. Sempre que ele apontava na esquina, eu saía correndo feito uma maluca, só para abraçá-lo. Mas nesse dia, de tão entretida com a diversão, não o vi chegar. Só sei que percebi, de relance, seu vulto entrando em casa rapidamente, como que tomado por algum descontentamento. Nem de longe achei que a causa desse mau humor fosse sua filhinha querida do coração. Segundos depois, ouvi aquela voz inconfundível, de timbre grave e potente, gritar na porta de casa: “Ô Luciana, venha cá, agora!”.
Gente, sabe quando a Dona Florinda chama o Kiko de Frederico? Pois é, pra mim foi mais ou menos assim. Meu pai só me chamava de Ciana, Cianinha ou Fofoletti (que fofo!). Ser chamada de LUCIANA perante a rua inteira foi pior do que um xingamento. Fiquei imaginando o que poderia ter feito, mas os olhares dos vizinhos estrategicamente distribuídos nas “calçadas dos fuxicos” me deram a impressão de que eles conheciam o motivo da queixa. Entrei pelo portão e vi a figura imponente do papai, impostado na área, com uma expressão dura e fria. Minhas pernas amoleceram. Fui em sua direção parecendo que ia subir no cadafalso.
Bom, se querem saber, ele não encostou um dedo sequer em mim, embora tenha segurado o cinto durante toda a nossa “conversa” (que ficou mais para um monólogo). Mas disse coisas que dilaceraram meu coraçãozinho inocente. Falou que se sentia decepcionado com aquele comportamento, que não se conformava em ver que uma filha que lhe tirou tantas noites de sono por problemas de saúde lhe causasse tamanho desgosto e vergonha. Aquelas acusações, para mim, não faziam o menor sentido. Eu simplesmente não entendia o que havia feito de errado. Mas, de uma forma estranha e incompreensível, me impus um rótulo de culpa e inadequação que carrego até hoje. E quando, no auge da fúria, papai gritou que “uma menina não tinha nada que estar brincando no meio de um monte de machos”, posso dizer que, pela primeira vez na vida EU ME SENTI MULHER!
Desde então, passei a policiar mais as minhas atitudes, especialmente se estivesse perto da hora dele chegar. E passei a enxergar coisas que antes não via, como se uma lente de contato de segregação e preconceito tivesse sido implantada nos meus olhinhos pueris de outrora. Eu vi a maldade que me ensinaram a ver. E que, um dia, também ensinaram ao meu pai. Porque a verdade é que, quando crianças (tanto eu, quanto ele), não tínhamos essa visão maldosa das coisas. Por isso, não o culpo pelo que aconteceu (pai, não venha puxar meu pé no meio da noite).
Claro que esse não foi o único momento em que ME SENTI MULHER. Me senti mulher muitas vezes quando passei noites solitárias depois de uma discussão conjugal, quando meu marido, de posse de seus “plenos direitos de macho” saía durante a madrugada para tomar umas e esfriar a cabeça, enquanto eu era obrigada pelas convenções sociais a permanecer encerrada na claustrofobia do lar vazio; me senti mulher quando no trabalho perdi uma promoção que por competência e merecimento seriam minhas, para um homem que, embora menos qualificado, supostamente teria mais tempo disponível para se dedicar aos objetivos da empresa; me senti mulher inúmeras vezes quando recebi tratamento diferenciado em casa, em relação aos meus irmãos, vendo meus pais serem bem mais condescendentes com suas “falhas e defeitos” porque eles eram homens, enquanto eu era bem mais exigida e cobrada em tudo; e, principalmente, me senti mulher quando esta semana, coloquei minha sobrinha (de 6 ou 7 anos de idade) para dentro de casa quando a vi sorridente, correndo na rua em meio a um monte de meninos e senti aquela incômoda sensação de “dejavú”. Sensação essa que me fez compreender que reproduzo as mesmas incoerências com as quais sofri e continuo a sofrer. E olha que eu sou atrevida, pois em comparação com outras mulheres, costumo contestar, renegar e romper muitas barreiras com as quais tentam limitar meus direitos de liberdade e igualdade. Mas confesso que isso já me custou muito: tanto do ponto de vista material quanto emocional.
No entanto, não vou desistir. Prefiro ser assim, inquieta e questionadora, do que aceitar passivamente as coisas como elas são. Não sei se isso me faz mais feliz, só sei que me faz mais EU! Vou continuar tentando identificar e vencer meu próprio preconceito para depois, poder exigir isso dos outros. Afinal, meu pai já partiu dessa para uma melhor, então, não corre o risco de ele aparecer na esquina com uma cara emburrada e um chinelo pesado na mão.
No entanto, não vou desistir. Prefiro ser assim, inquieta e questionadora, do que aceitar passivamente as coisas como elas são. Não sei se isso me faz mais feliz, só sei que me faz mais EU! Vou continuar tentando identificar e vencer meu próprio preconceito para depois, poder exigir isso dos outros. Afinal, meu pai já partiu dessa para uma melhor, então, não corre o risco de ele aparecer na esquina com uma cara emburrada e um chinelo pesado na mão.
Um beijo para todos e até a próxima,
Poxa Lú, lendo o seu post me fez sentir uma saudade imensa do bom e velho de guerra SR Luciano... Fiquei imaginando ele te chamando de LUCIANA bem sério na porta de casa, e na realidade nem consigo imaginá-lo sério, pois só lembro de suas risadas e brincadeiras... E outra coisa, sei como é ser chamada pelo nome quando estamos acostumadas com um apelido carinhoso, meu Pai por exemplo me chamava carinhosamente de "CRIOULA", mesmo eu sendo uma quase loura...rsrsrs! E eu sinto uma falta disso... Mas essa saudade que fica pelos que já nos deixaram, ela é gostosa, pois são lembranças maravilhosas que jamais sai do coração...
ResponderExcluirBjo grande amiga!!!
Lílian Graziele (que de anônima não tem nada rsrs)
Lilian, amiga, o pai era realmente uma figura, né! E eu lembro o quanto vocês e a galera se divertiram com ele. O velhote tinha um pique danado. Lembro também do seu pai, claro. O Seu Viana era um homem muito sereno, sempre me tratou super bem, era gentil e tímido. As vezes eu parava para comprar alguma coisa e aproveitava pra puxar assunto com ele. E lamentei muito quando ele nos deixou, pois fazia pouco tempo que meu pai tinha falecido. Foi como reviver minha própria dor. Mas é como você diz, a saudade é boa, marcada por lembranças maravilhosas. Beijão, amiga!
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