quarta-feira, 2 de março de 2011

Meu relógio é heterossexual!

Sei não, mas tenho pra mim que esse carro é baitola!

Quando a gente por um instante pensa que o Brasil evoluiu um tiquinho e conseguiu subir um pequeno degrau na escada da tolerância, vem um fato que nos faz voltar à realidade.

Uma reportagem publicada no Jornal “O Povo” de hoje relatou as observações envolvendo um teste vivido por dois atores que tentaram curtir a noite fortalezense vestidos de mulher. A experiência serviu para comprovar o preconceito contra a diversidade sexual nas baladas da capital, curiosamente atingindo um segmento conhecido por ser festeiro e divertido.

Os rapazes foram sumariamente barrados na porta de duas casas noturnas. A alegação do segurança de uma delas era que o impedimento se deu porque a foto no documento apresentado não correspondia a imagem do rapaz. Sei. Mais profissional ainda foi a justificativa da GERENTE de outra casa, que disse à reportagem: “Nossa casa é heterossexual, não é GLS. Não impedimos que mulheres que gostam de mulheres e homens que gostam de homens entrem, contanto que estejam vestidos de acordo com seu sexo e que não se beijem ou se abracem.” Em resumo: somos tolerantes porque aceitamos que você seja você, desde que você não seja você na nossa frente. Legal.

O interessante é que o comentário da gestora Cláudia (a cunhã se recusou a informar seu sobrenome ao jornal) define um novo fenômeno na nossa pitoresca língua portuguesa. Ontem mesmo meu professor de português, um cara que com suas maluquices e caretas consegue evitar que eu durma durante as torturantes últimas aulas, discorreu sobre a relação entre a linguagem e a realidade, que se entrelaçam dinamicamente. E as palavras, a escrita, surgiram como meio de expressão da realidade e se constroem a cada dia. É verdade mesmo. Porque a gerente acaba de criar um novo conceito de gênero. Esqueça essa história de substantivo masculino e feminino. Agora também temos objetos com orientação sexual diversificada. Casa heterossexual, saia homossexual, batom bissexual... Massa, né? Claro que eu, altamente antenada, tratei logo de tentar classificar meus pertences dentro do novo paradigma. Analisando-os cheguei a conclusão de que meu vestido branco de algodão é gay, porque ele é bem fresquinho. Constatei que minha lixa de unhas é bissexual, pois ela serra dos dois lados. Percebi que meu computador é um machão inveterado, pois se recusa a executar meus comandos e vive travando. Enfim, o importante é rotular!

Mas deixando a nóia de lado, volto a essa questão do preconceito. O Brasil até vende para o mundo uma imagem de paraíso de liberdade, tolerância e camaradagem, mas sabemos que não é bem assim. Os altíssimos índices de violência contra a mulher, por exemplo, deixam claro que há algo de podre no reino da Dinamarca. Sem falar na impunidade, tanto da justiça quanto do conceito social que vergonhosamente aceita certos comportamentos. Dado Dolabella, envolvido num notório escândalo de agressão física à Luana Piovani, recebeu uma pena alternativa e ainda ganhou de brinde 1 milhão de reais ao sagrar-se vencedor de “A Fazenda”. Com o voto do público. Ok! Sei que você vai dizer que era a pentelha da Luana Piovani. Mas não justifica de forma alguma, sem falar que sobrou tabefe também para uma frágil senhora que nada tinha a ver com o peixe. Outro exemplar de discriminação é o tal do Diogo, eliminado ontem do BBB11. Cara, na boa, o sujeito já foi tarde! Aquilo não é um homem, é o resultado de uma experiência genética que reúne todos os tipos de preconceito num ser humano só. A entrada e a permanência por tanto tempo desse tipo de gente num programa exibido em horário nobre é uma VERGONHA para o país. Uma afronta, um desrespeito total aos direitos da pessoa humana.

Todos nós guardamos nossa dose de preconceito, isso é fato. E a transformação coletiva se dá a partir da conscientização e do EXERCÍCIO DE MUDANÇA DE HÁBITOS INDIVIDUAL. O tom de humor que usamos para destilar nosso veneno é só um jeito de jogar a sujeira debaixo do tapete. E assim vamos propagando aos poucos a discriminação em pequenas atitudes. Ou grandes, como são os exemplos acima relatados.

Mas do ponto de vista coletivo o que tenho a dizer é que SEM ORGANIZAÇÃO, SEM MILITANCIA OU MOBILIZAÇÃO A COISA NÃO ANDA! Por exemplo, no caso dos travestis barrados nas casas noturnas, porque a classe não se une e não organiza um boicote? Como disse, o público LGBTT é conhecido por seu jeito divertido, baladeiro. Já que não se pode mudar a consciência da classe empresarial e ensinar-lhes um pouco de respeito, então que tal atingi-los em seu ponto fraco, no caso, o bolso? Sacrificar interesses individuais em favor da coletividade é a mais eficiente estratégia de sobrevivência de um grupo. E tem pessoas com quem conversa, papinho simplesmente NÃO ADIANTA! Tem que botar para arrepiar mesmo, sem violência, mas com firmeza e determinação.

Fica aqui meu repúdio às casas noturnas envolvidas nesse lamentável episódio. E fica ainda minha solidariedade à classe discriminada. Não sou santa, não sou perfeita. Mas tento realmente compreender e respeitar as escolhas individuais de cada um, principalmente quando elas não interferem em nada na minha vida. E sinceramente, quem você pega ou deixa de pegar não é da minha conta. Agora, viver num país falsamente democrático que maltrata e humilha uma pessoa gratuitamente é do meu interesse, sim. Não é nessa sociedade que quero um dia colocar um filho para ser criado. Até porque não sei quais escolhas ele irá fazer nada vida e temo que não se encaixar nos rótulos e expectativas da maioria lhe inflija sofrimentos desnecessários que um simples exercício de tolerância permitiria evitar.

Beijos!

2 comentários:

  1. Estive por fora dessa notícia e fiquei horrorizado. Não acredito que em Fortaleza exista esse tipo de discriminação em clubs 'heteros'. Talvez seja por isso que esteja surgindo todo fim de semana uma nova casa noturna voltada para os gays, que inclusive, os heteros são super bem vindos, vale ressaltar! Nunca fiquei sabendo de escandalos em 'clubs gays' causados porque havia uma casal hetero se pegando, ou coisa do tipo. Assim como existe a homofobia, também existe a heterofobia, porém em menos proporção.

    Falando dos exemplos de A Fazenda e BBB, você esqueceu de citar o exemplo do Marcelo Dourado, outra pessoa paupérrima de educação e respeito que o Brasilzão colocou 1 milhão no seu bolso. Essas coisas realmente são revoltantes! Que país é esse?

    ResponderExcluir
  2. Jeff, COM CERTEZA! Tinha esqueci completamente desse exemplar de brutamontes homofóbico. E a bolada que ele levou não foi "só" 1 milhão, não. Foi 1 milhão e meio de reais. É com isso que o Brasil premia o preconceito, violência e discriminação.
    Eu entendo a existência dos "clubs gays", até porque é uma alternativa para o público LGBTT exercer um pouco do seu direito de liberdade que é privado no convívio social. Mas acho que isso acomoda as outras pessoas, que como disse no texto, se dizem tolerantes desde que você não os choque e os incomode se mostrando como é na frente deles. O Brasil tem que forçar, com a aplicação da legislaçã,o a aceitação desses direitos. Ninguém é obrigado a gostar de ninguém, mas é OBRIGADO A RESPEITAR!

    Mais uma vez, obrigada pela sua contribuição!

    ResponderExcluir

Fala aí, cunhã!