Mesmo sendo mais forte que um rato, no final das contas, ele resolve tudo! |
Muitas vezes, fui agraciada com referências elogiosas à minha personalidade intrépida e corajosa. Adjetivos como “guerreira” e “mulher de fibra” eram comuns. E a fonte de tão generosas observações é legítima e imparcial (bom, pelo menos pra mim), já que grande parte dos comentários veio de pessoas com as quais travo relacionamentos apenas amistosos. Ou seja, nesta contabilidade não entram a rasgação de seda de amigos queridos (porém míopes), marido apaixonado e mãe coruja. Até porque, em se tratando dessa última, o mais comum é que as virtudes enumeradas sejam “doida”, “teimosa” e “besta”, não necessariamente nessa mesma ordem.
Na maioria das vezes, o efeito que esses comentários tem sobre mim é o mesmo que teria sobre qualquer mortal: boçalidade instantanea. Por trás da expressão humilde e do sorriso sem jeito, tem um ego massageado e eufórico dançando frevo em cima de qualquer resquício da minha costumeira baixa auto-estima. Um efeito fugaz, porém eficaz!
Mas em outros momentos em que meu “chip on-board de culpa” está funcionando mais rápido do que o de costume, a reação ante a um comentário amável sobre a minha pretensa coragem é a de puro remorso. A vontade é de prostrar-me aos pés do generoso bem-feitor e declarar a plenos pulmões: “Puna-me, meu bom homem, pois eu sou uma farsa!”. Desculpem o exagero, mas vocês sabem o quanto sou dramática! Mas se querem saber, se existe mesmo uma cunhã medrosa nesse mundo, essa alguém sou eu!
Tenho medo de tudo, podem anotar alguns aí: panela de pressão, Anador (!!!???), tesouras e alicates de unha, bonecas sem cabeças, relógio parado, televisão fora da sintonia, guarda roupa com a porta aberta, clipes do Gorillaz (aquilo é o cão!), acúmulos de água em que não possa enxergar o fundo (pode ser o açude do Cedro ou uma pequena bacia de lavar roupa, tanto faz), canções sobre velhas tenebrosas que moram embaixo da cama e também dormir com os pés descobertos (esse último é conseqüência do medo anterior, vai que a anciã das trevas resolve puxar meu dedão no meio da noite!). É uma coisa assim, tão variável e extensa, que às vezes tenho ímpetos de cavar um buraco no quintal e me enterrar dentro.
As razões dessa coletânea de medos eu desconheço. Embora desconfie de algumas. Mas não vamos tirar o ganha-pão da minha terapeuta, deixemos esse aspecto da discussão para os meandros da psicologia. Pois agora que a confissão foi feita, prefiro me ater a outra questão.
Embora todos nós adotemos papéis para conviver em sociedade, e eu, claro, faço parte desse elenco, a verdade é que, grosso modo, nunca ensaiei meus passos nem costumei colocar máscaras para conseguir as coisas ou ser vista pelos outros de uma determinada maneira. Muito pelo contrário. Lamento ter sido inconsequente e passional, pois agir de forma fria e calculista de vez em quando é mais do que necessário nesse mundo cruel e maledicente em que vivemos. Portanto, a razão das pessoas enxergarem uma “guerreira” por trás de uma personalidade tão insegura e medrosa, dá-se pelo simples fato de que, apesar de tudo, eu decidi sobreviver, seguir em frente. Sempre. Os meus fantasmas, embora frequentemente a me assombrar, aprendi a ignorar na maior parte do tempo. No popular: “engolir o choro”!
Claro que não sou a única e privilegiada mulher dotada de tão maravilhosos poderes. Somos todos assim e muitas vezes, nem nos apercebemos disso. Convivemos todos os dias com companheiros, familiares, chefes, colegas de trabalho, cobradores de ônibus, transeuntes, operadores de telemarketing de um jeito superficial, embora com os traços de personalidade marcantes peculiares a cada um. Mas cada um de nós, quando encosta a cabeça do travesseiro, sabe realmente aquilo que lhe aflige, angustia e incomoda, ou ainda o que lhe alivia as dores, desperta a alegria e alimenta as esperanças. Nas mulheres, em especial, esse LADO B configura-se de forma ainda mais forte, já que temos a mania de querer carregar as dores dos outros e os problemas do mundo nas costas (será coincidência sermos mais sujeitas às dores físicas do que os homens?). É algo nosso. E vamos aprendendo a (sobre)viver com isso, mesmo que nos obrigando a contornar os efeitos nocivos que o papel de Super Mulher pode trazer.
Então, amiga, proponho colocarmos o pé do freio de vez em quando. Permitir-nos ser cuidadas, afagadas e lisonjeadas. VIVER dias de princesa para compensar a rotina de SOBREVIVER como gata borralheira. Aceitar que não somos infalíveis, perfeitas e que tudo pode, sim, sobreviver sem a gente. Deixa o povo se virar, pelo menos vez por outra! E nada de ajoelhar no milho quando receber um elogio. Mesmo se houver algum fundo de inverdade, pelo conjunto da obra, ele sem dúvida é mais do que justo. Aproveita, guerreira!
Beijos e boa segunda-feira!
Amiga Lulu,
ResponderExcluirAcho que todo mundo tem um pouco de "síndrome de Chapolin". Apesar de vestirmos uma capa de super-herói, temos sempre um lado sensível que diante de alguma situação, revela nossos medos e vunerabilidades.
Sobre o papel da mulher "carregar as dores dos outros", creio que seja caracteristica herdada ao longo dos tempos. A mulher sempre foi vista como aquela que está sempre disponivel para dar apoio e suporte emocional, já que sempre se mostrou forte e empática nesse aspecto. Precisando de uma mãozinha (pra não falar força física), é só contar com a força masculina.
Acho muito interessante essa contradição. Mulher: ser sensível e forte ao mesmo tempo. A sensibilidade acho que está no físico. Emocionalmente são mais fortes, já que amadurecem bem mais cedo que os homens.
Excelente postagem.
:*
Jeff, você, como sempre, um leitor atento e com visão crítica bem amadurecida. Sabe perceber e avaliar todas as nuances, indo além e gerando suas próprias impressões. Não tem personalidade vazia e superficial, que aceita tudo e engole tudo. Por isso, sou sua fã!
ExcluirObrigada pela participação e, principalmente, por sua amizade. Desde o início desse blog você foi o leitor mais assíduo, participativo e solidário.
Beijos, querido!