A minha rebeldia nata tem explicação. Numa família de quatro
irmãos, eu tinha uma irmã mais velha e dois irmãos mais novos. Péssima
localização! Os mimos dos caçulas não me eram destinados e a supremacia da
maturidade não ocorria primeiro pra mim. Quando as pessoas viam meus irmãos
pequenos, diziam: “Que fofinhos!” Quando viam minha irmã mais velha: “Que
mulherão!”. E eu lá, com cara de pêssego, mendigando migalhas de atenção. Além
de sofrer horrores com a pentelhice dos pestinhas e a opressão da autoritária
bruxa má.
Quando finalmente a girafa saiu de casa, eu pude vislumbrar
um horizonte de possibilidades. Agora EU era a mais velha, estava na
pré-adolescência e logo iria brilhar mandando e desmandado nos fedelhos (a
serem imediatamente convertidos em escravos), e atrair os olhares de admiração
pelos novos contornos físicos que começavam a se delinear com a puberdade.
Quando tudo parecia conspirar para a minha felicidade eterna, eis
que surge uma penetra fora de hora pra estragar tudo. Minha mãe engravida na
casa dos 40 e já naquela fase do casamento em que não se sabe ao certo se é
“Namoro ou Amizade”. Mais improvável, impossível. Mas aconteceu! E eu
ingenuamente achei que isso iria contribuir para solidificar os meus planos
malignos de dominação, pois além de beldade nortista mantenedora de escravos,
teria ainda a credencial de “mãe-acessória” digna de respeito e consideração.
Balela! Mais uma vez a minha localização outrora tão
almejada, manifestou-se a meu desfavor. Ela veio da maternidade fofinha,
rosadinha e rechonchuda... Uma visão enternecedora até dar o primeiro berro! E
já na primeira noite me roubou horas de sono e infligiu torturas físicas
inimagináveis. Eu, que achava que iria reinar naquele lar, de repente me vi na
posição de pajem, abanando a noite inteira aquela coisinha gasguita e sua
(nossa) mãe exaurida pelo doloroso parto. E pensa que ficou só nisso? Foram
acalentos, banhos, doenças infantis, quedas, preocupações constantes e – Oh!
Terror! – fraldas pra lavar. Não é a toa que a alcunha que a mini-vilã recebeu
ainda bebê foi ZICA, para atestar o meu azar! Ô, ironia!
As atenções que eu almejava se voltaram todas para a
usurpadora de afeto, que além de fofinha, era precoce e inteligente. Ciúme era
o tempero ácido, azedo, picante e carregado da minha vida infeliz. Meu pai, que
antes sensível a minha condição me elegeu sua preferida, de repente me esqueceu
e voltou todas as atenções para a nova garotinha do papai.
Motivos não me faltavam para detestá-la. E eu, que de boba
não tinha nada, tratei de botar minha viola no saco e buscar atenção noutra
freguesia. Lutei, trabalhei, batalhei até conquistar meus objetivos. Li,
estudei, pesquisei, viajei e reuni bagagem intelectual. Como mulher, atingi a
plenitude, desabrochando a beleza e o encanto da maturidade. E depois de
finalmente resolver as pendengas particulares, voltei meu olhar para aquela
criança e encontrei, vejam só, uma linda mulher!
Dialogando descobri outras maravilhas: ela já não berrava.
Pelo contrário, falava baixo. E pouco. Minha curiosidade fez extrair sua
personalidade a conta-gotas, num exercício de paciência e tolerância incomum
pra minha personalidade. Pensei: talvez seja amor! E quanto mais eu me envolvia
em sua vida, mais queria saber sobre seus projetos, me interessava pelo seu
futuro.
Em ocasiões de conflito, me vi defendendo seus interesses,
protegendo-a de situações difíceis da vida que embora eu tivesse vivido sem
ninguém pra me proteger, não queria que ela sofresse o mesmo. E então percebi
que até o ciúme tinha ido embora.
Na hora de um deslize, nada do discurso arrogante e da
empáfia típica de quem sabe mais. Mas sim, o desespero humilhante para tentar
convencê-la a fazer o melhor. E, pasmem, me descobri sendo, de fato, a irmã
mais velha. Não a figura opressiva, ditatorial e tirana criada por uma mente
infantil e maquiavélica. Pelo contrário, a própria encarnação do exemplar
maternalista, protetor e totalmente desequilibrado pela emoção de amar incondicionalmente
essa parte de mim, sangue do meu sangue, minha irmãzinha caçula e encantadora
que só precisou ser ela mesma pra se fazer amar. Plano melhor do que esse,
impossível realizar. Arquitetei triunfos e me dobrei pelo afeto. E sou feliz
por isso!
Irmã, hoje você faz aniversário. E agradeço a Deus por fazer
parte da minha vida. Não lhe peço perdão pelo meu comportamento passado por
dois motivos: primeiro, porque não tinha maturidade suficiente pra lidar com
isso; segundo, porque sou orgulhosa pra caramba! Mas aceite que hoje essa sua
irmã mais velha está aqui para o que der o vier, e por ti daria até a vida, se
necessário (pelo amor de Deus, não invente de testar). Agradeço a Deus que em
sua infinita sabedoria mandou para nossa família o presente cujo brilho só enxerguei
anos depois. E que este Deus bondoso abençoe sua jornada e te dê tudo de
maravilhoso que eu gostaria de te dar. Feliz Aniversário!
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