Nem escuta a zuada da mutuca! |
Você já deve ter escutado essa expressão que significa dar uma de surdo, fingir que não ouviu. Ela se referia à forma como os mercadores antigos agiam para não dar ouvidos às ofertas de preço reduzidas dos clientes que tentavam barganhar a mercadoria, ou ainda uma maneira de não dar atenção às críticas e reclamações sobre os produtos vendidos. Em outras palavras, desdenhar!
Apesar da expressão remeter à uma antiga forma de negociação, ela ainda hoje é bastante utilizada. Pensem, por exemplo, naquelas pobres criaturas que ocupam as vagas de operadores de telemarketing (especialmente dos departamentos de atendimento ao consumidor) que além de serem obrigados a falar apenas no gerúndio ainda escutam poucas e boas dos clientes que descontam toda sua indignação nos ouvidos deste inocente ser. Não tenho dúvidas de que os coitados, para suportar as queixas diárias de toda a natureza, precisam programar seus ouvidos para o “modo mercador”. E enquanto utilizam polidamente os termos para explicar a situação para o cliente revoltado, na sua criativa cabecinha eles devem estar indo a forra, pensando: “Senhor, estarei transferindo a sua ligação para a p.... que pariu. Por gentileza, peço que no final o senhor possa estar respondendo positivamente à pesquisa de satisfação em relação ao meu atendimento, para evitar que o filho da p... do meu supervisor possa estar me mandando embora. Algo mais em que posso estar sendo útil?”.
Apesar da técnica de fazer ouvido de mercador não ser lá muito ortodoxa por desmerecer o consumidor, ela contém uma lição de vida que pode ser muito útil para todos nós. Há momentos em que precisamos mesmo nos fazer de surdos diante dos apelos da maioria, ou ainda na hora de tomar decisões e traçar nossos caminhos.
Todo mundo gosta de dar um bom pitaco na vida alheia. E mesmo que essas pessoas não sejam exemplos de sucesso e equilíbrio, tem sempre na ponta da língua um “conselho” capaz de mudar a sua vida. Claro que podemos aprender muito com quem tem mais experiência. Mas não podemos esquecer que a experiência prática em si é necessária e bem mais proveitosa, capaz de render um aprendizado que nem o mais sábio dos conselhos é capaz de transmitir.
Sou uma indecisa por natureza e muitas vezes me privei de oportunidades por escutar demais. “Faça isso”, ou então, “faça aquilo”; “é melhor assim, desse jeito que você quer fazer não vai dar certo”; “olha lá, depois não diga que não avisei”... Enfim, é tanta coisa que uma resolução pessoal que antes de ser compartilhada com meio mundo de gente lhe parecia tão firme e tão clara, no final das contas está envolta numa aura de pessimismo, dúvidas e medos que travam qualquer cristão. E essas incertezas não serão solucionadas pelos conselheiros de plantão. Você vai precisar lidar com elas sozinho, quando deitar a cabecinha no travesseiro e repassar mais um dia perdido em que planejou tanta coisa e no final, não fez nada! E assim segue mais um dia, depois outro, e depois mais outro. Quando se dá conta, perdeu anos da existência vivendo em função da opinião alheia.
Nós, mulheres, somos vítimas constantes desse pensamento. Afinal, seres “frágeis e indefesos”, despreparadas e perdidas, sempre precisamos de alguém mais “forte e equilibrado” para nos orientar. Uma mulher segura e independente, que toma as próprias decisões, é praticamente uma aberração da natureza. Uma fêmea sem aquela conveniente essência de fragilidade tão habilmente incutida e manipulada pela sociedade, não pode ser considerada uma verdadeira mulher. E essa era a desculpa perfeita para justificar o acesso da mulher a tantos espaços que lhes foram negados durante toda história.
Por exemplo, no âmbito dos esportes, até poucos anos atrás era restrito o acesso das mulheres à participação em treinamentos e competições esportivas. Alegava-se que a atividade iria comprometer o já frágil organismo feminino, além do temor que o esporte pudesse causar a masculinização da mulher. Balela! Hoje a prática desportiva é considerada uma questão de saúde, além do fator estético que contribui para a elevação da autoestima da praticante. Mas para se chegar a esse nível de aceitação, não tenha dúvida de que muitas mulheres precisaram desafiar o senso comum, enfrentar o preconceito e obter “na marra” esse direito. Em outras palavras, precisaram “fazer ouvido de mercador”.
Portanto, minha amiga, não desconsidere a sabedoria de quem já sabe e viveu mais. Especialmente se este alguém for uma pessoa que te ame de verdade. Mas jamais se prive de ouvir os apelos do próprio coração, pois é ele que vai carregar por muito tempo a dor e a angústia pela frustração de metas não realizadas.
Beijos e boa semana para todos!