Como assim? Reclamona, eu?! Mas que absurdo, quem disse isso vai ter que se ver comigo, como você pode concordar com uma coisa dessas, não faz o menor sentido e blábláblá.... |
Rola por aí uma piadinha machista que diz que o espelho reflete sem falar, e a mulher fala sem refletir. Ha-ha-ha... Morri de rir e não achei graça.
OK! Até aceito a fama de que falamos demais. Ou melhor, de que verbalizamos nossas emoções sem medo de ser feliz. Agora, esse papinho de que só falamos abobrinha eu não engulo assim, fácil, não.
Por causa do nosso potencial incompreendido acabamos sendo tachadas de “reclamonas”, o que nos confere a fama acessória de “chatas”. Até a Revista Cláudia publicou uma reportagem completa sobre o tema com uma campanha Anti-Reclamação e um “manifesto de uma mulher que cansou de ser chata”. Aliás, se quer saber, já estou “por aqui” com essa revista. Ela mais parece um manual de lavagem cerebral saído diretamente do filme “Mulheres Perfeitas”. O extremo oposto da Revista Nova, outra publicação exagerada do mesmo grupo editor cujo 99% do conteúdo parece ser voltado para femmes-fatale com uma vida que gira em torno de trabalho, cartão de crédito, balada e pegação. Como se a ala feminina só tivesse duas opções na vida: ser uma mãe, esposa e dona de casa exemplar ou uma workaholic que precisa ler a revista todo mês para não se permitir sentir fragilidade e solidão.
Mas deixando de lado essas questões estive refletindo sobre esse ponto da reclamação. O ser humano, em geral, é um insatisfeito por natureza. E essa insatisfação é que nos faz sair da zona de conforto e buscar algo melhor. Desde criança eu sempre tive uma postura meio de “justiceira”, era resoluta, corajosa, não tinha medo de mudar algo que me incomodasse sem, no entanto, ser ambiciosa ao extremo. Virtude que agradeço a Deus por possuir em meio a uma personalidade cheia de defeitos. Alguns professores chegaram a dizer-me que deveria seguir a carreira de advogada, pois costumava comprar a briga por outros colegas diante de uma situação em que identificava alguma aparente injustiça, mesmo sem ter tanta amizade pelo sujeito. Era mais pelo fato ocorrido do que uma questão meramente pessoal. E reclamava mesmo! Na sala de aula, na direção, em casa, até que visse algum progresso, alguma mudança. Ou até que recebesse uma suspensão ou um belo puxão de orelhas. Mesmo assim, nunca perdi essa mania e se preciso fosse, contestava veementemente qualquer autoridade. Até porque, na minha cabeça, o conceito de AUTORIDADE sempre esteve diretamente relacionado a RESPEITO e qualquer atitude arbitrária e ilógica por parte de uma figura hierarquicamente superior, para mim, configurava a perda dessa autoridade embasada mais na posição e no poder de decisão que este possuía, do que na sua responsabilidade e idoneidade para exercer o cargo. Eu não o via mais como alguém digno da minha obediência. E lá ia eu botar a boca no mundo!
Evidente que isso me trouxe alguns problemas durante 30 anos de vida. Principalmente quando precisei trabalhar (formalmente falando, porque acho que já nasci fazendo qualquer coisa pra garantir uma certa independência financeira e diminuir a carga dos meus pais). Com o tempo fui percebendo que algumas atitudes eram infantis. E porque não dizer, antiéticas. Afinal, falar mal da empresa que paga seu salário e te sustenta (mesmo que de um jeito meio capenga) não é algo muito justo, não. Então fui procurando trabalhar esse ponto o que, no início, me levou a outras atitudes extremas. Quando achava que estava ruim ou tinha alguma reclamação que julgava mais séria, chutava o pau da barraca e largava o emprego sem pestanejar. Pensava que essa era a atitude mais correta da minha parte. Melhor do que ficar reclamando daquilo que dependia. E partia para outra tentativa até acontecer a mesma coisa. Felizmente nunca fiquei desempregada. E a vivência me rendeu uma eclética experiência profissional que foi de instrutora de informática, passando por vendedora, digitadora, promotora, recepcionista, artesã, gerente, auxiliar administrativo, arte-finalista, fotógrafa, voluntária até chegar a uma secretária polivalente que estuda jornalismo e mais parece uma Forest Gump de saias, cheia de histórias pra contar. Porém nunca parei para pensar que eu poderia ter questionado a validade ou, principalmente, a UTILIDADE das minhas reclamações, ao invés de julgá-las imediatamente procedentes e vestir a carapuça de vítima que joga tudo pro alto num piscar de olhos e segue seu caminho seu olhar para trás, com o espírito cheio de orgulho e o bolso vazio!
A vida não é fácil. Pra ninguém. E por trás de um chefe aparentemente déspota pode haver um empresário atormentando pelas dificuldades de um mercado acirrado, com uma carga tributária absurda e uma pressão constante por resultados que garantam não apenas seu lucro, mas a manutenção da empresa da qual dependem tantas outras pessoas. Nos quadrinhos, nos filmes e nas novelas podem existir as figuras do mocinho e bandido claramente definidas. Mas na vida real não é bem assim. No fundo, todo mundo tem motivo pra ser do jeito que é. Sabe-se lá se é um motivo justo ou não. Mas que existe, existe. E no final das contas está todo mundo no mesmo barco, tentando sobreviver.
Não estou dizendo que as pessoas devam se acomodar diante dos problemas. Aceitar tudo passivamente, virar um banana completo ou um cego que finge não enxergar as dificuldades e sufoca as aflições. Nesse ponto a psicologia é clara e a depressão, por exemplo, é uma forma meio torta do corpo reagir com o colapso da auto-estima numa tentativa desesperada da mente dizer que o que permaneceu incompreendido sempre retorna. Mas simplesmente falar, reclamar, sem agir, também não muda nada. Não melhora a situação.
Reverter a energia que gastamos comentando sobre aquilo que achamos errado em ações que mudem essa realidade pode ser bem mais proveitoso. Por exemplo: todo mundo reclama das filas de banco, essas instituições que apesar de arrecadarem bilhões todos os anos continuam economizando na quantidade de funcionários. Mas quando há alguma audiência pública ou se organiza algum manifesto nesse sentido, só aparecem uns 4 gatos pingados protestando no meio da rua enquanto são xingados pelos motoristas. Atacamos as instituições públicas, acusando-as de burocratas e que mantém servidores que tratam o público com descaso e falta de polidez, mas as ouvidorias estão aí disponíveis. Quem se dá ao trabalho de formalizar uma denúncia através desse setor? A maioria responde que de nada adianta e quem tem algum amigo no meio prefere pegar o atalho do pistolão para resolver rapidamente o SEU problema, sem preocupar-se com o fato de estar furando uma fila enorme de pessoas necessitadas que não conhecem ninguém influente e não podem beneficiar-se da mesma facilidade. Eu já fiz uma reclamação na Ouvidoria do Ministério do Trabalho e vi ser resolvido num piscar de olhos um problema de atendimento arbitrário que estava ocorrendo na unidade do Sine da minha cidade. Minha ação resolveu não apenas o MEU problema, mas de várias outras pessoas que estavam na mesma situação.
Não sou nenhuma santinha ou um modelo a ser seguido (embora tenha um corpinho de passarela, tá). Mas confesso que com o passar dos anos e depois de quebrar a cara algumas vezes, minha visão de mundo foi mudando. Shakespeare já dizia que ser flexível não significa ser fraco. E essa idéia de radicalismo já virou uma coisa meio démodé. A chave é, sem dúvida, o equilíbrio. Precisamos aprender a viver num mundo que nos obriga a engolir sapos e a fazer coisas de que não gostamos ou não concordamos, mas com as quais precisamos aprender a conviver sem perder a essência ou violentarmos nosso espírito. No fim das contas resta o consolo de que podemos chegar em casa ao fim de mais um dia de cão, dar uns 4 murros no travesseiro pra exorcizar a raiva, tomar um belo banho, rachar de rir vendo a Paulinha caindo de madura no BBB (não podemos negar nossa faceta sádica), botar a cabeça no travesseiro com a alma e corpo lavados e dormir pra recarregar as energias. Porque afinal de contas amanhã tem mais. Se Deus quiser!
Boa semana pra vocês!