A minha cachorrinha, Polly, foi adotada ainda filhote,
quando apareceu na porta lá de casa, suja, mulambenta e com a maior
concentração de pulgas e carrapatos por m2 de seu minúsculo corpinho.
Como eu estava muito depressiva pelo recém-desencarne do meu
pai, a energia e fofura dela ajudaram na recuperação. Mas quando ficou
maiorzinha, dava um trabalho danado! Ela tinha uma fertilidade absurda e nas
raríssimas vezes em que fugiu de casa, voltou com 380 cachorrinhos na barriga.
E como jovem mãe, solteira e inconsequente, sempre abandonava a cria e sobrava
pra vovó aqui, a tarefa de alimentá-los, cuidá-los, até o dia de encaminhá-los
para adoção.
Claro que isso me esgotava totalmente! Por isso, sempre
tomei muito cuidado pra ela não fugir. Mas a bichinha era esperta e veloz!
Escondia-se e aproveitava um lapso de distração pra correr feito uma louca pelo
portão semi-aberto.
Eu, desesperada, imaginando que iria criar filho dos outros,
corria atrás no meio da rua e muitas vezes conseguia alcançá-la. Em outras, ela
me dava uma surra e fugia enlouquecidamente. Mas era pau a pau! Éramos, ambas, jovens, belas e dispostas!
Mas esses dias, depois de anos de confinamento, ela fugiu!
Foi moleza, já que esqueci de trancar o portão e o vento o escancarou! Como
num dejavú, pensei em persegui-la velozmente, tal qual fiz no passado. Mas nos
dois primeiros passos, minhas costas estalaram. Resolvi trotar. E também não
consegui. Em resumo: a persegui ANDANDO e adulando! "Volta,
Pollyzinha!", "Vem cá, fofinha!".
O mais trágico é que ELA também NÃO CONSEGUIA CORRER! E
ficamos as duas, uma fugindo e a outra perseguindo, no mesmo ritmo arrastado,
tentando ver quem venceria a outra pelo cansaço primeiro.
Pra finalizar, caminhamos uns 50 metros nessa peleja. Quando chegava bem pertinho, ela andava mais um pouco a minha frente. Até que olhou em volta, percebeu que os gatinhos saltitantes, os lixos revirantes e as
plantinhas verdejantes já não tinham mais a mesma graça. Parou, me encarou
e aceitou seu destino. Deixou-me pegá-la. Aliás: OBRIGOU-ME a pegá-la, pois já estava exausta! E tive
de voltar os 50 metros carregando aquela anciã canina, com o peso acumulado do
alto dos seus 12 anos de ração e salsichas.
Eu poderia reclamar, esbravejar, maldizer minha sina, já que
as costas latejavam pela tarefa (hercúlea para as minhas limitadas condições
físicas). Mas só consegui rir e dividir com ela a nossa decadência, exclamando, entre
risadas: "Mulher, como é que tu faz um negócio desses com a gente!",
"Nós duas não temos mais idade pra isso, não!". Num gesto de empatia, ela abanava o rabo, fazendo cócegas na minha barriga.
Pode parecer meio deprê, mas de certa forma é reconfortante
saber que minha decrepitude é compartilhada. Sei lá, torna o peso do fardo mais
leve! Foi bom perceber que a velha companheira, que outrora me ajudou a
superar a orfandade paterna, estava ao meu lado em outro momento crítico. Uma bengala
peluda e pulguenta, amparando uma balzaquiana confrontada com os efeitos do
passar de alguns anos.
Assim, chego a conclusão que a vida pode ser bela, até naquelas
fases um tanto quanto embaraçosas... E
que mais vale derramar lágrimas a dois, do que desperdiçar gargalhadas sozinha!
Beijos da Lulu!
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