Ontem à noite, fiquei arrepiada com a resposta
que uma filha, simpatizante do movimento pelo passe livre, deu à sua mãe
através do Facebook.
A mãe da jovem, que havia militado no movimento
Feminista durante quase toda vida, hoje está “em casa, guardada por Deus,
contando o vil metal!”. Resultado, talvez, de certo cansaço físico e emocional
imposto pela idade e, sobretudo, por uma incômoda sensação de que seus esforços
possam ter sido inúteis. Afinal, a violência contra a mulher atinge marcas cada
vez mais alarmantes e a desigualdade de gênero ainda impera em nosso país.
A versão “madura” daquela mulher, que outrora lutou
nas fileiras dos protestos dos anos 70 e 80, postou em sua rede social um
contundente “sermão” contra os vândalos que estavam poluindo o meio-ambiente
através da queima de pneus nas avenidas da metrópole.
A filha, indignada, respondeu o post com um misto
de surpresa e revolta, afirmando desconhecer a própria mãe e enumerando sólidos
argumentos que explicitavam não apenas a pequenez do gesto diante do arsenal de
poluentes que são diariamente lançados no planeta pelas empresas, com a adesão
e conivência do governo, como também todas as razões, muito mais abrangentes e
profundas, que levaram àquela massa a empreender tamanho protesto.
Não enxerguei ali um desrespeito ou desamor filial.
Muito pelo contrário. Vi, sim, a mais bela demonstração de reverência que uma
filha poderia dar à sua mãe. Pois aquela jovem rebelde estava repetindo
a cena que um dia sua genitora protagonizou, e demonstrando a firmeza de caráter
moldado pelos princípios que certamente recebeu no seio doméstico. Uma educação
que foi muito além da visão estreita e egoísta de uma sociedade cada vez mais
individualista. Uma educação que mostrou através do EXEMPLO que a indignação
deve sempre se sobrepor ao conformismo, e que a visão crítica deve prevalecer.
Pois é. Essa mãe hoje, talvez vítima de uma miopia que com o tempo se instaura nos mais bem intencionados olhos e, me
arrisco a afirmar, com os instintos protetores maternos falando muito mais alto
(o que é absolutamente compreensível), deveras desejava proteger sua cria e
convencê-la, através de contradições, a sair do meio do olho do furacão. E que
bom que isso soe contraditório para a moça! Que bom que ela diga “não te
conheço!”! Sinal de que sua mãe demonstrou, na maior parte da vida, que era
coerente com seus princípios e seu comportamento. E sua filha absorveu de tal
forma essa realidade que se achou no direito de indignar-se e questionar aquele
absurdo “lapso” temporário materno.
Essa mãe, ainda que aparentemente descrente em relação
à própria fé, não falhou!
Mesmo que boa parte dessa geração que um dia brigou
contra a ditadura, contra o capitalismo, contra a burguesia, tenha aos poucos
sucumbido ao poder, ao dinheiro ou simplesmente ao conforto, ainda assim,
deixou o seu legado!
O mínimo que se tenha obtido dessas lutas, o pouco
que seja, É ALGUMA COISA!
A reprodução espontânea da rebeldia e do clamor
generalizado, É ALGUMA COISA!
Ruim mesmo é o NADA! A INÉRCIA! O CONFORMISMO! A
COVARDIA!
Só se aprende a fazer algo, FAZENDO!
Essa mãe recebeu da filha a mesma lição que
um dia ensinou. É a mágica da vida, o feitiço do tempo se manifestando de forma
sublime.
Eu sei que se hoje tenho o direito de escrever esse
blog, de desfrutar alguma liberdade ou, no mínimo de poder manifestar a minha
indignação quando ela é cerceada, devo em parte a essa mãe, que no passado brigou
pelos direitos que agora usufruo.
Certamente me incomoda um pouco ver a guerreira
mudar o seu discurso. Mas isso não será suficiente para deixar de acreditar em
pessoas que lutaram como ela e muito menos na causa que defenderam. Até porque,
tenho plena convicção que embora um pouco constrangida pelo “sermão” da filha, no fundo, no fundo, ela sente orgulho da
nobreza de sua criação!
Vamos à luta, cunhãs!